É minha crueldade imensa que me faz viver
Viver o ideal do dia que observa a flor solitária no jardim
Que bebo a água a última água do deserto que fabrica o oásis
de ilusão
Em chamas as florestas gritam um grito desumano
Tardio
Vazio
Meu peito inflado feito balão de hélio
E eu de chinelo, bermuda e camiseta observo a direita no fim
da rua a lua...
Eclipse dentro dos olhos
Sangra minha mão sangra feito rio que vai para o mar
Sangra dentro da veia essas ruas estreitas que sobem e
descem na cidade
Pessoas, cidades, pessoas sem identidade perdidas em seus
corações...
Eclipse dentro dos olhos
E minha crueldade imensa é não fechar os olhos e ver o amor
distante
É não abrir os olhos e ver o amor perto o bastante, feito
tempestade de raios...
É minha liberdade imensa que me faz crer
Passo com meus passos despercebido os dias do calendário
empoeirado na estante
Estanco o filete de madeira do dedo e sinto medo do medo de
estar aqui feito poema
Escrito na parede está a verdade indignada do povo sofrido e
ao mesmo tempo lúdico
E me assusto com sombras sem sol e queimo por dentro
Tardio
Vazio
Minha mente trilha estrelas mortas expostas em noites
tediosas
E eu de chinelo, bermuda e camiseta observo a esquerda da
rua o silêncio noturno.
Desfigurada minha face acorda para o abismo diário do caos
delicioso do mundo
Que bebo num trago amargo quebrado pelo doce tira-gosto de
uma tarde de sexo
E tudo o que escuto é o som das águas longínquas
E de pássaros que fugiram do frio e seus cânticos cheios de
pena que dá pena
Escrevi um verso louco e estampado que de olhos vendados
você sussurrou...
É minha insanidade imensa que me faz ver
Todas as fotos na parede e todas as cartas mal escritas que
estavam no fundo do baú
E minhas mãos, tremulas, lembram que minha loucura tremenda
foi fechar a janela
Antes da chuva rachada estava a terra que minhas lágrimas
não conseguiam molhar
Mas agora observo a flor solitária no jardim numa noite que
desejo estrelas
Tardio
Vazio
Meus olhos chocados com o amor que deveras clama sua chama e
queima
Corpos cobertos de alegria, corpos cobertos de ansiedade,
corpos cobertos de corpos.
E eu de chinelo, bermuda e camiseta observo no centro da rua
o fim da linha.
Lavo as mãos, o rosto, olho bem para o espelho e vejo
explodir nos olhos o infinito.
Tardio
Vazio...
MAURO ROCHA 25/03/2013